AS AVENTURAS DE DJOU, O GAROTO SELVAGEM
por Hilário P. Ferraz Pimentel
Capítulo único
Djou é um garoto muito esperto, alegre e brincalhão. Ele mora com seus
pais, como toda a criança deve morar,
vai à escola pela manhã e à tarde brinca com seus amigos em uma praça
bem pertinho de sua casa. Ali na praça eles brincam daquelas brincadeiras de crianças antes da era o videogame, tipo
pega-pega, esconde-esconde, amarelinha,pular corda, jogar futebol entre outras
que eles inventam na hora. Bom garoto, estudioso e comportado, mas sem
deixar de se divertir e aprontar das suas, Djou é a alegria da casa. Seus
pais têm muito orgulho de seu filho. Sua professora sempre elogia o
garoto,apesar de algumas traquinagens que ele apronta de vez em quando. Quando
volta da aula, ele vai logo fazer a lição de casa para, depois, ir na pracinha
com os colegas da rua.
Um certo dia , durante as férias da escola, toda a família foi viajar no
barquinho do amigo do pai de Djou. Eles foram lá bem perto de onde as baleias
namoram, em Abrolhos, no Extremo Sul da Bahia. Dizem que este lugar tem este nome
pois está cheio de pedras e os portugueses da época do Cabral alertavam: “Se
fores navegar naquele lugar, ó pá, abra os olhos”. E por isso ‘abrasileiramos’
o nome e “abra os olhos” virou Abrolhos. Antigamente, as baleias eram caçadas
sem piedade. Hoje , graças à consciência
que o homem adquiriu entendendo que ele também é parte da natureza e que
esta natureza deve ser preservada, essa caça está proibida e as baleias nadam e
namoram em paz. E elas estão voltando a ocupar todos os lugares em que
antes elas eram caçadas, e hoje as pessoas vão até esses lugares para
observá-las.
Pois bem, o pequeno Djou e seus pais estavam no barco, tranquilos, quando a
embarcação bateu em uma daquelas pedras e começou a afundar. Foi um
pânico geral, o barco começou a ir a pique muito rapidamente e os pais do
menino armaram os botes de socorro e o colocaram em um dos maiores. Enquanto os
pais de Djou armavam outro bote, o que o menino estava se desprendeu do barco
que afundava e começou a se afastar. Quando eles se deram conta , era tarde
demais. O bote do menino estava longe e,
graças a uma corrente marinha, se afastou ainda mais, bem rapidamente. Os pais
do menino entraram no bote que já estava armado, tentaram alcançar Djou a todo
custo, mas era tarde demais, Djou era um náufrago que navegava ao sabor do
vento e da maré. É claro que um dia eles irão se reencontrar, mas até lá o
garoto viverá grandes aventuras.
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O garoto ficou à sorte da maré e, depois de um dia e uma noite, Djou chegou à
praia. Ele aportou em um lugar muito bonito chamado Guaiuquiçaba. Nesta praia
as ondas quebravam fortes sobre um coral muito afiado e cheio de ouriços, mas
neste dia o mar estava calmo e o garoto chegou tranqüilo em terra firme. O
lugar é lindo, cheio de palmeiras, árvores, coqueiros, aves e animais. Um lugar
praticamente intocado, que tem a natureza preservada como ela sempre foi.
A areia é branquinha e bem fofinha. Bem perto de onde o garoto chegou ,
um rio desemboca no mar. Marias-farinhas, aqueles caranguejinhos da areia,
ficaram observando a chegada de Djou. “Que bicho esquisito”, pensaram os
caranguejinhos que nunca tinham visto um humano.
Com uma grande fome, Djou foi logo apanhando cajus em um cajueiro próximo. Eram
cajus amarelos e bem doces. Ao lado tinha um cajueiro de frutos vermelhos, mas
estes não estavam tão doces quanto os da primeira árvore. Além de caju, era
época de mangaba, uma frutinha bem massudinha que só pode ser comida quando cai
no chão. Djou logo descobriu isso ao agarrar uma direto da mangabeira e
ficar com a boca colada pelo látex de mangaba. Algumas tribos indígenas do
Brasil usam esse látex para fazer bola de futebol e jogar um jogo parecido com
o gol-a-gol ,só que sem chutes, só com cabeçadas. Nas bolas rasteiras os índios, dão um “peixinho” para cabecear a
bola. È muito divertido esse jogo dos índios.
Já com a barriga cheia de caju e com a boca colada de mangaba, Djou foi
logo tratar de conhecer os arredores. A praia era cheia de coqueiros, muitos
saguis e monos-carvoeiros, dois tipos de macacos, subiam nas árvores e de lá de
cima ficavam observando aquela nova figura nunca antes vista na área.
O garoto estava assustado e com saudades dos pais , dos amigos e da escola, mas
não se deixou abater e logo foi montar um abrigo. Com varas de bambu e folhas
de coqueiro, o garoto construiu uma choupana provisória para passar a noite,
que estava chegando. Djou forrou o chão com folhas para não ficar com o corpo
cheio de areia. Por sorte era verão e não fez frio à noite. Djou, um garoto de
somente 7 anos estava passando sua segunda noite sozinho e longe dos pais. Por
um momento ele quis chorar, mas ele compreendeu que aquilo não ia ajudar em
nada. E a noite passou tranquila....
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Na manhã seguinte, morrendo de curiosidade, os macaquinhos saguis foram
espioná-lo mais de perto. Chegaram tão perto que seus pêlos fizeram o garoto
espirrar. Djou acordou e , ainda sem saber onde estava, se assustou com os
saguizinhos que também se assustaram com ele. Como os macaquinhos
fugiram, o garoto levantou e aproveitou para dar uma volta na praia.
Rastros de tartarugas que foram à praia botar ovos à noite marcavam a areia
branca daquele lugar maravilhoso. Alguns pedaços do barco chegaram à praia
também e, entre eles, um bauzinho que estava no barco. O garoto foi logo em
direção a ele, mas o baú estava trancado e Djou o arrastou até seu improvisado
acampamento. O que haveria dentro daquele baú? Os saguis observavam tudo de
cima de um coqueiro. Que bicho curioso é esse tal de sagüi.
No mar vários golfinhos brincavam nas ondas. Eles nadavam dentro da
onda e quando esta acabava davam um salto para trás em busca de uma outra
para fazer o mesmo. Djou os olhava e sentia vontade de nadar também, mas sua
maior preocupação no momento era com o almoço, pois a fome começava a apertar.
Os cajus que ele tinha comido de manhã já tinham perdido o efeito. Mas não
restou outra alternativa, frutas novamente. Apanhou um coco seco caído no chão
e o golpeou com um pedaço de pau até abri-lo. Deu pra aliviar a fome novamente
com frutas, mas o garoto sentia falta de algo mais consistente. E em um estalo
ele pensou: “Será que tem comida naquele baú?”.
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Com uma pedra bem grande o garoto começou a golpear o cadeado do baú, na
esperança de encontrar guloseimas. O cadeado não era muito resistente e num
minuto ele estava arrebentado na areia. Djou abriu o baú e ficou surpreso. Era
de seu pai, que o havia colocado no barco para emergências como essas. Tanto
que ele era forrado com isopor para boiar. “Meu pai pensa em tudo mesmo”,
refletiu o garoto.
De cara, Djou viu um facão. Facas são perigosas para crianças, mas aquele facão
teria de ser bem manejado para abrir cocos, cortar o mato e outras coisas mais.
Duas panelas para cozinhar estavam lá dentro também. Anzóis e linha para pescar
estavam no interior de uma das panelas. Uma capa de chuva amarela se
destacava pela cor. Dois foguetes sinalizadores estavam embrulhados em
plástico, junto com algumas caixas de fósforos. Uma lupa, daquelas de ler as
letras miúdas, causou estranheza ao garoto. “Por que esta lupa está aqui?”
perguntou-se o garoto. Mas mal sabia ele que este apetrecho um dia seria muito
importante. Uma pázinha para cavar também estava lá. Tinha uma siripoia
para apanhar siris, que o garoto conhecia por já ter visto seu pai usar uma
igual. Talheres estavam juntos a dois pratos. Ele gostou do garfo, mas
este lembrou-lhe das refeições que fazia com seus pais, e continuou a
vasculhar aquele baú repleto de surpresas. Logo encontrou uma tesoura, que era
quase um tesouro. Tinha também uma bússola que ele pensou que era um
relógio. Uma caixinha de primeiros socorros com esparadrapo, mercúrio
cromo, gaze e bandeide estava lá no fundo. Como estava lá no fundo,
acabaram-se as surpresas do baú, mas tinha a última que era um cobertor para as
noites mais frias e que estava ensopado. Djou lavou-o no riacho para
tirar o sal e pôs para secar ao sol. Logo ele não teria problemas
quando o inverno chegasse. Isso se ele estivesse lá ainda.
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Com tantas novidades o garoto não sabia o que fazer primeiro, mas ele logo
pensou na noite e com aquele perigoso facão foi cortar mais bambus e palha para
melhorar seu acampamento, que até então era totalmente improvisado. Corta
daqui, enterra dali com a ajuda da pázinha , logo estava pronta uma
choupaninha ‘mais ou menos’ . Mais ou menos porque não tinha porta nem
janela, mas o garoto, que a cada dia que passava começava a ficar um pouco mais
selvagem, fez um bom trabalho e logo a choupana estaria pronta. A noite logo
caiu e Djou, pela primeira vez, fez uma fogueira. O fogo também é muito
perigoso para crianças e para a floresta, mas o garoto o fez longe da
cabana e do mato próximo, bem sobre a areia para evitar incêndios. Só estava
faltando algo para cozinhar. Mas Djou lembrou-se de alguns pratos que sua mãe
fazia em casa e pôs algumas bananas para cozinhar na panela recém adquirida
do baú. Uma das bananas caiu sobre as brasas e o garoto de imediato não
percebeu, só depois de alguns minutos. Djou tirou a banana da brasa e ela
estava pretinha, pretinha por fora. Por curiosidade, ele descascou a banana e
viu que ela estava branquinha por dentro e experimentou. ” Que delicia!”,
exclamou o garoto que havia descoberto uma nova receita.
O macaquinho se aproximou um pouquinho e logo ganhou uma banana cozida. Quando
foi apanhá-la, o bichinho queimou a mão e saiu correndo em direção ao coqueiro.
Djou ficou rindo.
Na manhã seguinte o garoto pensou em estrear o anzol e a linha para
tentar pegar algum peixe.
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Dito e feito. De manhã bem cedinho lá estava o garoto na praia pegando tatuíras
para colocar na isca, como ele havia visto seu pai fazer uma vez em uma viagem
à praia. Tatuíra é tipo um camarãozinho com a casca bem dura e que fica na
beira da praia, escondida sob a areia. Era fácil apanhar os bichinhos, quando a
onda vinha e ia embora, ficava uma marquinha na areia do bichinho, era só cavar
e pronto. Em alguns lugares as pessoas conhecem a tatuíra como tatuí.
Djou pegou uma meia dúzia, ajeitou a linha com o anzol, colocou uma pedra na
ponta para poder jogar bem longe a isca e começou a pescar. Depois de alguns
minutos, o garoto sentiu um puxão na linha. Começou a puxar e lá
vinha um peixe fisgado. Ao recolhê-lo, o garoto viu tratar-se de um baiacu, que
é aquele peixe que incha e vira uma bola quando é ameaçado. Lembrando das
palavras de seu pai, que lhe disse que os baiacus são venenosos, Djou
devolveu-o ao mar. Pena que ele tinha perdido uma isca. Mas não faz mal, logo a
linha estava na água de novo e dessa vez o peixe que mordeu foi uma pescada
amarela, mais ou menos grande. O garoto deu-se por satisfeito, devolveu o
restante das tatuíras à areia e foi limpar o peixe para o almoço. Ele também
sabia limpar peixes só de olhar seu pai. Ele sabia que tinha que tirar
todas as escamas, raspando-as com a faca. Feito isso, ele guardou o que sobrou
do peixe para colocar na siripóia como isca para tentar pegar alguns siris à
noite. A siripóia é um arco de ferro com uma rede, parece um pouco uma rede de
apanhar borboletas. Coloca-se a isca, joga-se a siripóia n´água, espera-se um
pouco, puxa e pronto. Lá vinham os siris agarrados na rede.
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À noite, dito e feito, Djou usou a siripoia e apanhou alguns siris para
comer. Os siris, que eram muitos, ficavam na beira do riozinho próximo ao
acampamento. Djou sabia disso porque um dia ele tomou uma ferroada de um deles
enquanto tomava banho. Para amenizar a falta de tempero, o garoto
cozinhava os siris na água do mar que dava uma salgadinha nos bichinhos.
No dia seguinte Djou acordou cedo com o barulho dos saguis, que, cada vez
mais, se aproximavam mais da choupana atrás de comida. Djou estava
fazendo amizade com um deles que ficava na porta olhando para o garoto.
Quando Djou se aproximava, o saguizinho saía correndo. O garoto colocava uma
fruta e o macaquinho vinha buscar. Ele estava quase comendo na mão do garoto.
Djou já tinha arrumado até um nome para ele: Txiboom, porque um dia fugindo
dele, o miquinho tropeçou, caiu numa poça de água e fez este
barulho.
Na
praia, o garoto ficava observando os golfinhos surfando as ondas. Djou ficava
admirado e com vontade de entrar na água. Ele sabia nadar muito bem, pois o pai
havia lhe dado algumas aulas. De repente, o garoto agarrou um pedaço de isopor
que havia chegado com o baú, se atirou na água e começou a pegar uns “jacarés”
nas espuminhas das ondas . Agora, quem olhava para ele eram os golfinhos, que
nunca tinham visto um humano tão de
perto. Após um tempão na água se divertindo nas ondas, Djou ficou exausto e foi
descansar.
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Preás, tatus, pacas, tamanduás e até onças eram os animais que habitavam
próximo ao acampamento de Djou. Tirando a onça, o garoto não tinha medo de
nenhum deles. Para se defender da possível aparição de um felino desses, Djou
mantinha sempre a fogueira acesa, mas os fósforos estavam acabando e isso
preocupava o garoto. Mas , um dia, ao observar uma formiga mais de perto com a
lupa que tinha chegado dentro do baú, Djou torrou o inseto com um
raio de sol. Foi sem querer, mas ele descobriu que a lupa servia para fazer
fogo e começou a usá-la para
economizar fósforos. Bastava colocar a lupa contra o sol, deixar o feixe
de luz bater em uma palha seca e pronto, lá estava o fogo feito.
O dia-a-dia de Djou era sempre assim. Acordava, ia apanhar algumas frutas para
comer, apanhava água no rio em cumbucas de coco, acendia o fogo , ou
simplesmente reavivava as brasas da noite anterior, ia pescar, almoçava e o
resto da tarde ia pegar ondas com os golfinhos. Djou já surfava direitinho com
os isopores. Ele descia a onda deitado e para ajudá-lo ele havia feito um tipo
de pé-de-pato com palha de coco bem trançada. Era quase um bodyboard. Quando
não tinha onda, ele ficava brincando com os macaquinhos. Txiboom era seu
preferido, pois ele já havia se acostumado com o garoto e praticamente não saia
da choupana de Djou. Tinham outros macaquinhos que vinham visitar também, mas
Txiboom era o rei do pedaço.
Certo dia, o garoto avistou ao longe um barco, pegou os
sinalizadores e os disparou, mas foi em vão, os barcos provavelmente não viram
o sinal e os poucos sinalizadores foram desperdiçados.
Djou achou uma tábua grande trazida
pela maré e começou a modelar, com a ajuda do facão, uma prancha de surf de
verdade, igual as que ele via na praia. Seria um trabalho demorado , mas o que
o garoto mais tinha era tempo.
À tardezinha, o garoto foi pescar nos corais próximos. O coral, quando tinha
onda, formava ondas perfeitas e tubulares, que o garoto já surfava com
maestria, deitado é claro, mas assim mesmo ele pegava até uns tubos, isso em
menos de 3 meses de treinamento, que era o tempo que ele estava vivendo sua
aventura de náufrago.
Mas naquele dia não tinha onda e, com muito cuidado, ele começou a explorar os
corais. Aquele local tinha uma vida riquíssima. Ouriços, estrelas-do-mar,
anêmonas, peixes-pedra muito venenosos e, entocadas em buracos, as perigosas
moréias. Djou pescou uns peixinhos e voltou para a choupana. Ahhh, a esta
altura a choupana já tinha porta e janela que o garoto havia feito para se
proteger de algum ocasional ataque da onça. Ele não havia visto ainda este
animal, mas à noite ele já tinha ouvido seu rugido. Djou sabia que o dia
deste encontro não estava longe...
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Acompanhado de Txiboom, que agora só andava em seu ombro,
Djou foi inspecionar as redondezas em busca de algumas frutas. Era época
de jambo e ele logo encontrou uma árvore carregada destes frutos. Ele
encheu seu cesto de palha com os frutos e começou a voltar para o acampamento,
quando, de repente, ouviu um barulho atrás de um mato próximo. O garoto se
esgueirou por entre a folhagem e viu a tão temida onça agarrar uma preazinha e
devorá-la ali mesmo. Djou ficou assustadíssimo com a cena e correu para
sua choupana. Lá ele começou a pensar em fazer algumas armadilhas para se
defender da onça. Cavou um buraco na entrada de sua choupana, colocou galhos
finos e cobriu com folhas para o caso da onça tentar pegá-lo desprevenido.
Feito isso tudo e deixando a preocupação de lado, o surf apareceu como a melhor
opção para aquela tarde, pois as ondas quebravam fortes sobre o afiado coral e
lá estavam seus companheiros de esporte, os golfinhos, descendo as ondas,
saltando sobre elas e fazendo uma algazarra para chamar Djou para a água. Nada
melhor na vida que surfar em uma praia deserta com seus amigos, mesmo que
estes sejam golfinhos.
A sua nova prancha, que ele havia moldado na madeira encalhada na areia, já
estava pronta e ele foi testar naquela tarde. Nas primeiras ondas ele sentiu
uma dificuldade de ficar em pé, mas em algumas horas ele já começava a cortar
algumas ondas. A prancha tinha ficado muito boa, mas o problema é que ela
começava a encharcar, ficar pesada e afundar. O que fazer ?
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No dia
seguinte o garoto, já quase totalmente selvagem pela experiência que adquiriu
nestes últimos meses, foi ao mato apanhar lenha para a fogueira e algumas
frutas para comer. Em sua trilha habitual, Djou percebeu as pegadas da onça,
bem frescas. Ela estivera ali durante a noite e estava se aproximando do
acampamento. Txiboom, que estava no ombro do garoto, ao ver as pegadas tapou os
olhos, como se dissesse “Xiií, não quero nem ver”. Mas o garoto seguiu firme em
seu propósito de apanhar as coisas da floresta, afinal ele precisava se
alimentar.
Sem maiores problemas, o garoto fez o que tinha de fazer, coletou algumas
frutas e retornou ao acampamento. Lá acendeu o fogo com ajuda de sua lupa e
logo foi pescar algo para o almoço. Boas ondas quebravam na praia e os
golfinhos logo que viram Djou, começaram a fazer barulho, como se o chamassem
para se divertir. Mas a prancha dele não estava seca ainda e o garoto pôs-se a
pescar. Quando de repente, como em um estalo, Djou exclamou “É isso!!”. Ele
tinha achado a solução para sua prancha: o látex de mangaba. Após a pescaria,
que rendeu-lhe um peixão, ele foi fazer alguns talhos nas mangabeiras e
deixar o látex escorrer para dentro de alguns cocos partidos. A prancha foi
posta ao sol para secar mais rápido e no dia seguinte ele a emborracharia. Mas,
enquanto isso, ele apanhou seu isopor e foi se divertir um pouco com os
golfinhos, deixando o almoço para mais tarde.
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À noite, fogueira acesa, a lua bem cheia deixava tudo mais iluminado, Djou
levanta-se por um minuto para fazer xixi quando eis que ele vê a dita cuja , a
onça, a uns dez passos só olhando para ele. Ela estava lá sentadinha, as
orelhas em pé, esperando para ver o que o garoto iria fazer. Ela provavelmente
não atacou Djou por causa do fogo. O garoto rapidamente apanhou um pau em
chamas e jogou na bicha. Brasas acertaram a cabeça da onça, que deu um rosnado
terrível e fugiu para o mato. Ufa, o garoto estava salvo, mas ele desconfiava
que aquilo não tinha sido suficiente para espantá-la de vez. Djou teria de
fazer algo mais contundente para a onça não mais voltar. Naquela noite ele
fechou bem a porta e a janela de sua choupana para dormir tranquilo.
No dia seguinte, o garoto foi emborrachar sua prancha com o látex. Ele
espalhava uma camada fina sobre a prancha e colocava para secar ao sol. Aquilo
ficava que nem uma borrachinha sobre a madeira. Fez isso dos dois lados e
esperou até o outro dia para testar
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Naquela noite o acampamento estava vazio. Dois belos peixes estavam sobre uma
palha de coqueiro próxima a choupana. Eis que surge a onça, sentindo o aroma
dos pescados. Ela olha em volta, não vê o fogo e nem ninguém. Confiante ela
avança sobre os peixes e, antes de dar a primeira mordida, recebe uma saraivada
de cocos na cabeça. Era uma cilada para ela! Djou, com o auxilio de Txiboom e
seus amigos, estavam em cima de um coqueiro só esperando a chegada da fera.
Depois da primeira saraivada de cocos , veio a segunda e a terceira. A onça
ficou atordoada e provavelmente cheia de galos na cabeça, mas mesmo assim ela
conseguiu escapar em direção ao mato. E não sem antes receber mais umas belas
cocadas no bumbum. Pronto, estava feito, daquela vez ela foi afugentada para,
com certeza, não mais voltar.
Djou e seus amigos voltaram para o chão para comemorar o feito. De agora em
diante eles se sentiam mais seguros. Naquela noite foi feita a festa da banana
assada com os peixes que a onça nem chegou a experimentar.
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O inverno se aproximava, e com ele chuvas, um friozinho de leve e ondas, muitas
ondas. Com a prancha toda emborrachada, Djou passava o dia na água. Ondas para
a direita, ondas para a esquerda, tubos e ele já começava a ensaiar algumas
manobras. Só que a prancha era muito pesada para que as manobras fossem
executadas com perfeição, mas ele estava no caminho certo. Ele começava a
surfar lado a lado com os golfinhos que o acompanhavam por toda a extensão da
onda.
Quem ia junto com ele, de vez em quando, era Txiboom, que ficava no bico da
prancha quando ele estava descendo uma onda. Talvez ele era o primeiro macaco
surfista do planeta. E o macaquinho adorava. Ele não nadava muito bem , mas
também não afundava. E quando ele estava em algum apuro na água, os golfinhos
vinham em seu auxílio rapidamente. Pegavam-no com a cabeça e o levavam até a prancha
do garoto . Era uma cena incrivel. Txiboom quando via o garoto pegar sua
prancha ficava pulando e fazendo um monte de macaquices, só de alegria e
na esperança de ser convidado.
Djou tinha adaptado uma quilha, que ele também tinha esculpido e encaixado no
fundo da prancha, pois esta estava derrapando muito, mas agora não mais
com a ajuda do aparato. Ele estava cada vez melhor no surf e isso o deixava
feliz. Era comum o garoto ficar surfando até a noite quando era lua cheia. Ele
via o plancton brilhar ao seu redor com a luz do luar.
Os finais de tarde eram incríveis naquele lugar. O sol, ao se pôr, deixava um
rastro alaranjado no céu durante muito tempo. Ao anoitecer ele via os
pássaros em revoada irem para seus ninhos e começava a ouvir o barulho
dos animais noturnos despertarem para a vida. Era tudo muito mágico naquele
lugar. A onça não mais tinha aparecido e, mesmo se aparecesse, os macacos
dariam o alerta gritando e avisando o garoto que já tinha preparado a
armadilha na porta da choupana.
Mas para Djou estava ficando chato. Ele queria jogar bola, ver seus
amigos na escola e , principalmente, reencontrar seus pais, de quem ele sentia
muita falta.
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Os dias passavam devagar naquele inverno. A chuva vinha ocasionalmente, mas a
choupana de Djou, com bastante palha de coqueiro era resistente à água.
Ele surfava todos os dias que tinha onda. Sua prancha estava aguentando
bem o tranco. O látex de mangaba era eficiente e resistente, e até era
antiderrapante. Os golfinhos eram todos seus amigos e até o ajudavam a pescar,
trazendo os peixes para perto da isca do garoto. Txiboom e seus amigos
apanhavam as frutas mais altas das árvores para ele. Preás, tatus, cotias,
tamanduás, saruês, cervos, menos a onça, todos se aproximavam do acampamento e
ali se sentiam à vontade para observar aquela , para eles, figura estranha de
um humano que não os perseguia. Mas eles não poderiam confiar muito em homens,
pois estes às vezes são traiçoeiros, matando os animais só por matar,
destruindo as florestas para ganhar dinheiro com a madeira e para vender os
terrenos à beira-mar.
Djou passava os dias inventando coisas. Tinha feito um boliche com gomos de
bambu e a bola era um coco adaptado. Txiboom ficava por perto e arrumava os
gomos que Djou tinha derrubado. Com o bambu também ele tinha feito um arco e
algumas flechas. No começo as flechas saíam tortas e sem direção, mas o garoto
tinha lembrado dos filmes de índio que as flechas tinham penas nas
pontas. Ele logo arrumou algumas plumas caídas na floresta e ajeitou suas
flechas. Com o tempo ele começava a ficar craque no arco e flecha também. Seu
alvo era o isopor que ele pegava onda, aposentado desde que ele tinha
feito a prancha.
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Não existe mais neste planeta natureza intocada e nem praias virgens. O homem
praticamente desbravou tudo e já esteve em quase todos os lugares. Djou tinha
sido o primeiro naquela praia. Já faziam 5 meses que ele ali aportara. Neste
meio tempo o garoto da cidade descobriu o seu lado selvagem à força. Foram
experiências que mostraram que somos somente seres que um dia pertencemos a um
ecossistema. E já fomos caçadores e caça também. Temos que respeitar a natureza
pois somos, ainda, parte dela.
Djou acordou naquela manhã e começou a fazer suas coisas rotineiras, apanhar
lenha, procurar frutas para o café, arrumar iscas para pescar e, o mais
importante, verificar as condições do mar. Ele já estava habituado ao surf, era
seu maior prazer do dia.
Quando ele foi checar as ondas, qual não foi sua surpresa. Tinha um barco
parado um pouco atrás da arrebentação e 4 pessoas surfavam próximas ao coral. O
garoto ficou sem reação. Ele procurou os golfinhos e eles estavam lá, afastados
dos surfistas e esperando o garoto, já como imaginando o que aconteceria.
Com o macaquinho Txiboom pendurado em seu ombro, Djou aproximou-se das pessoas
eufórico. Era sua chance de voltar pra casa e reencontrar seus pais. Os
surfistas tiveram uma surpresa ao verem uma criança tostada de sol e com um
macaco no ombro naquela praia deserta. Eles pegaram mais algumas ondas e saíram
da água para encontrarem-se com Djou.
Na praia, eles se cumprimentaram e os rapazes perguntaram pelos pais do garoto.
Djou contou sua história e o pessoal ficou impressionado com ela. Eles não
acreditaram que o garoto estava ali há 5 meses por conta própria.
Perguntaram-lhe o que ele fazia para passar o tempo e Djou respondeu que
surfava. Levou-os ao acampamento e mostrou-lhes sua prancha. Todos ficaram
impressionados com a prancha e com tudo mais. Quiseram ver o garoto surfando
naquela tábua esculpida. O garoto, sem hesitar, atirou-se à água e pegou altas
ondas deixando todos boquiabertos
Depois do surf, convidaram o garoto para comer alguma coisa no barco e ele foi,
claro que levando seu fiel escudeiro Txiboom. O macaquinho deu vexame, mexeu em
tudo, comeu tudo o que podia e ainda jogava algumas coisas no mar, entre elas
as cuecas do capitão do barco, que estavam secando ao sol.
Fazia tempo que o garoto não comia algumas coisas que ele não gostava muito,
mas que estava sentindo falta, tipo saladas e verduras, que toda
vez que sua mãe preparava ele torcia o nariz. Agora ele comia tudo com gosto e
pedia mais.
Depois do almoço, foram todos descansar e em seguida caíram na água para
surfarem mais ondas. Deram uma prancha das deles para o garoto para ver seu
desempenho. Djou estranhou no começo, mas começou a surfar com
desenvoltura. Os golfinhos aproximaram-se e começaram também a pegar suas
ondas juntos a todos. Foi um dia inesquecível para todo mundo.
Os surfistas decidiram ficar por ali até as ondas terminarem, ou seja, até a
ondulação perder força. Acamparam com o garoto por alguns dias e ouviram suas
histórias de pescarias, do que aconteceu com a onça e tudo o mais. Ficaram
impressionados com tudo. Durante aqueles dias, Djou pescou e apanhou siris para
todos.
Quando a ondulação acabou, os surfistas resolveram partir. Iriam levar o garoto
de volta para a chamada civilização. Djou tinha aprendido que civilizados eram
os animais, que vivem em harmonia com a natureza e com os outros animais, mas o
garoto sentia muitas saudades de seus pais. Despediu-se de Txiboom e dos outros
macaquinhos. Foi remando até o barco ao lado dos golfinhos e deles também se
despediu. Não era definitivo, ele sabia, era só um até breve, pois Djou
voltaria e não demoraria muito.
Quando o barco partiu, o garoto viu na praia toda a macacada observando o
garoto que se ia. Viu Txiboom acenando, como se fosse gente. Foi uma despedida
emocionada e dolorosa. Djou sentiria muitas saudades de Txiboom e de seus
outros amigos, mas a saudade de seus pais falou mais alto e o garoto, com dor
no coração, partiu Viu a bicharada olhando pra ele como se já sentissem
saudades. Os golfinhos escoltaram a embarcação que
partia até que a praia não fosse mais vista.
Djou logo chegou em casa. Seus pais nunca tinham perdido a esperança de
reencontrá-lo e, quando o viram, ficaram muito emocionados. O garoto, de volta
à civilização, narrou todas as suas aventuras e seus pais prometeram que nunca
mais se separariam. Eles o estavam procurando há meses, mas sem sucesso.
Prometeram que em breve voltariam ao lugar que Djou ficou acampado. Essa última
promessa, Djou aguardaria ansiosamente que acontecesse logo. Já estava
com muitas saudades de sua vida selvagem. E de suas aventuras também.
FIM
Esta obra já se encontra
devidamente registrada sob o número: 330.400, em 27/08/2004 no Livro 606 e
folha 60 na Biblioteca Nacional
Escritorio de Direitos Autorais
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