segunda-feira, 6 de junho de 2022

 

AS AVENTURAS DE DJOU, O GAROTO SELVAGEM

 

por Hilário P. Ferraz Pimentel     

 

 

Capítulo único

 

            Djou é um garoto muito esperto, alegre  e brincalhão. Ele mora com seus pais, como toda a criança deve morar,  vai à escola pela manhã e à tarde brinca com seus amigos em uma praça bem pertinho de sua casa. Ali na praça eles brincam daquelas brincadeiras  de crianças antes da era o videogame, tipo pega-pega, esconde-esconde, amarelinha,pular corda, jogar futebol entre outras que eles inventam na hora. Bom garoto, estudioso e comportado,  mas sem deixar de se divertir e aprontar das suas, Djou é a alegria da casa.  Seus pais têm muito orgulho de seu filho.  Sua professora sempre elogia o garoto,apesar de algumas traquinagens que ele apronta de vez em quando. Quando volta da aula, ele vai logo fazer a lição de casa para, depois, ir na pracinha com os colegas da rua.

     Um certo dia , durante as férias da escola, toda a família foi viajar no barquinho do amigo do pai de Djou. Eles foram lá bem perto de onde as baleias namoram, em Abrolhos, no Extremo Sul da Bahia. Dizem que este lugar tem este nome pois está cheio de pedras e os portugueses da época do Cabral alertavam: “Se fores navegar naquele lugar, ó pá, abra os olhos”. E por isso ‘abrasileiramos’ o nome e “abra os olhos” virou Abrolhos. Antigamente, as baleias eram caçadas sem piedade. Hoje , graças à consciência  que o homem adquiriu entendendo que ele também é parte da natureza e que esta natureza deve ser preservada, essa caça está proibida e as baleias nadam e namoram  em paz. E elas estão voltando a ocupar todos os lugares em que antes elas eram caçadas, e hoje as pessoas vão até esses lugares para observá-las.

     Pois bem, o pequeno Djou e seus pais estavam no barco, tranquilos, quando a embarcação bateu em uma daquelas pedras e  começou a afundar. Foi um pânico geral, o barco começou a ir a pique muito rapidamente e os pais do menino armaram os botes de socorro e o colocaram em um dos maiores. Enquanto os pais de Djou armavam outro bote, o que o menino estava se desprendeu do barco que afundava e começou a se afastar. Quando eles se deram conta , era tarde demais.  O bote do menino estava longe e, graças a uma corrente marinha, se afastou ainda mais, bem rapidamente. Os pais do menino entraram no bote que já estava armado, tentaram alcançar Djou a todo custo, mas era tarde demais, Djou era um náufrago que navegava ao sabor do vento e da maré. É claro que um dia eles irão se reencontrar, mas até lá o garoto viverá grandes aventuras.

 

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      O garoto ficou à sorte da maré e, depois de um dia e uma noite, Djou chegou à praia. Ele aportou em um lugar muito bonito chamado Guaiuquiçaba. Nesta praia as ondas quebravam fortes sobre um coral muito afiado e cheio de ouriços, mas neste dia o mar estava calmo e o garoto chegou tranqüilo em terra firme. O lugar é lindo, cheio de palmeiras, árvores, coqueiros, aves e animais. Um lugar praticamente intocado, que tem a natureza preservada  como ela sempre foi. A areia é  branquinha e bem fofinha. Bem perto de onde o garoto chegou , um rio desemboca no mar. Marias-farinhas, aqueles caranguejinhos da areia, ficaram observando a chegada de Djou. “Que bicho esquisito”, pensaram os caranguejinhos que nunca tinham visto um humano.

     Com uma grande fome, Djou foi logo apanhando cajus em um cajueiro próximo. Eram cajus amarelos e bem doces. Ao lado tinha um cajueiro de frutos vermelhos, mas estes não estavam tão doces quanto os da primeira árvore. Além de caju, era época de mangaba, uma frutinha bem massudinha que só pode ser comida quando cai no chão. Djou logo descobriu isso ao agarrar uma direto  da mangabeira e ficar com a boca colada pelo látex de mangaba. Algumas tribos indígenas do Brasil usam esse látex para fazer bola de futebol e jogar um jogo parecido com o gol-a-gol ,só que sem chutes, só com cabeçadas. Nas bolas rasteiras  os índios, dão um “peixinho” para cabecear a bola. È muito divertido esse jogo dos índios.

     Já com a barriga cheia de caju e com a boca colada de mangaba,  Djou foi logo tratar de conhecer os arredores. A praia era cheia de coqueiros, muitos saguis e monos-carvoeiros, dois tipos de macacos, subiam nas árvores e de lá de cima ficavam observando aquela nova figura nunca antes vista na área.

     O garoto estava assustado e com saudades dos pais , dos amigos e da escola, mas não se deixou abater e logo foi montar um abrigo. Com varas de bambu e folhas de coqueiro, o garoto construiu uma choupana provisória para passar a noite, que estava chegando. Djou forrou o chão com folhas para não ficar com o corpo cheio de areia. Por sorte era verão e não fez frio à noite. Djou, um garoto de somente 7 anos estava passando sua segunda noite sozinho e longe dos pais. Por um momento ele quis chorar, mas ele compreendeu que aquilo não ia ajudar em nada. E a noite passou tranquila....

 

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     Na manhã seguinte, morrendo de curiosidade, os macaquinhos saguis foram espioná-lo mais de perto. Chegaram tão perto que seus pêlos fizeram o garoto espirrar. Djou acordou e , ainda sem saber onde estava, se assustou com os saguizinhos que também se assustaram com ele.  Como os macaquinhos fugiram, o garoto levantou e  aproveitou para dar uma volta na praia. Rastros de tartarugas que foram à praia botar ovos à noite marcavam a areia branca daquele lugar maravilhoso. Alguns pedaços do barco chegaram à praia também e, entre eles, um bauzinho que estava no barco. O garoto foi logo em direção a ele, mas o baú estava trancado e Djou o arrastou até seu improvisado acampamento. O que haveria dentro daquele baú? Os saguis observavam tudo de cima de um coqueiro. Que bicho curioso é esse tal de sagüi.

      No mar vários golfinhos brincavam nas ondas. Eles nadavam dentro da onda e quando esta acabava davam um salto para trás em busca de uma outra  para fazer o mesmo. Djou os olhava e sentia vontade de nadar também, mas sua maior preocupação no momento era com o almoço, pois a fome começava a apertar. Os cajus que ele tinha comido de manhã já tinham perdido o efeito. Mas não restou outra alternativa, frutas novamente. Apanhou um coco seco caído no chão e o golpeou com um pedaço de pau até abri-lo. Deu pra aliviar a fome novamente com frutas, mas o garoto sentia falta de algo mais consistente. E em um estalo ele pensou: “Será que tem comida naquele baú?”.

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       Com uma pedra bem grande o garoto começou a golpear o cadeado do baú, na esperança de encontrar guloseimas. O cadeado não era muito resistente e num minuto ele estava arrebentado na areia. Djou abriu o baú e ficou surpreso. Era de seu pai, que o havia colocado no barco para emergências como essas. Tanto que ele era forrado com isopor para boiar. “Meu pai pensa em tudo mesmo”, refletiu o garoto.

          De cara, Djou viu um facão. Facas são perigosas para crianças, mas aquele facão teria de ser bem manejado para abrir cocos, cortar o mato e outras coisas mais. Duas panelas para cozinhar estavam lá dentro também. Anzóis e linha para pescar estavam  no interior de uma das panelas. Uma capa de chuva amarela se destacava pela cor. Dois foguetes sinalizadores estavam embrulhados em plástico, junto com algumas caixas de fósforos. Uma lupa, daquelas de ler as letras miúdas, causou estranheza ao garoto. “Por que esta lupa está aqui?” perguntou-se o garoto. Mas mal sabia ele que este apetrecho um dia seria muito importante. Uma pázinha para cavar também estava lá. Tinha uma siripoia  para apanhar siris, que o garoto conhecia por já ter visto seu pai usar uma igual. Talheres  estavam juntos a dois pratos. Ele gostou do garfo, mas este lembrou-lhe das refeições que fazia com seus pais, e  continuou a vasculhar aquele baú repleto de surpresas. Logo encontrou uma tesoura, que era quase um tesouro.  Tinha também uma bússola que ele pensou que era um relógio. Uma caixinha de primeiros socorros com esparadrapo, mercúrio  cromo, gaze e bandeide  estava lá no fundo. Como estava lá no fundo, acabaram-se as surpresas do baú, mas tinha a última que era um cobertor para as noites mais frias e que estava ensopado. Djou lavou-o no riacho para tirar  o sal  e pôs para secar ao sol. Logo ele não teria problemas quando o inverno chegasse. Isso se ele estivesse lá ainda.

 

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         Com tantas novidades o garoto não sabia o que fazer primeiro, mas ele logo pensou na noite e com aquele perigoso facão foi cortar mais bambus e palha para melhorar seu acampamento, que até então era totalmente improvisado. Corta daqui, enterra dali com a ajuda da pázinha , logo  estava pronta uma choupaninha ‘mais ou menos’ . Mais ou menos  porque não tinha porta nem janela, mas o garoto, que a cada dia que passava começava a ficar um pouco mais selvagem, fez um bom trabalho e logo a choupana estaria pronta. A noite logo caiu e Djou, pela primeira vez, fez uma fogueira. O fogo também é muito perigoso para crianças e para a floresta, mas o garoto  o fez longe da cabana e do mato próximo, bem sobre a areia para evitar incêndios. Só estava faltando algo para cozinhar. Mas Djou lembrou-se de alguns pratos que sua mãe fazia  em casa e pôs algumas bananas para cozinhar na panela recém adquirida do baú. Uma das bananas caiu  sobre as brasas e o garoto de imediato não percebeu, só depois de alguns minutos. Djou tirou a banana da brasa e ela estava pretinha, pretinha por fora. Por curiosidade, ele descascou a banana e viu que ela estava branquinha por dentro e experimentou.  ” Que delicia!”, exclamou o garoto que havia descoberto uma nova receita.

           O macaquinho se aproximou um pouquinho e logo ganhou uma banana cozida. Quando foi apanhá-la, o bichinho queimou a mão e saiu correndo em direção ao coqueiro. Djou ficou rindo.

          Na manhã seguinte o garoto pensou em estrear o anzol e a linha para  tentar pegar algum peixe.

 

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         Dito e feito. De manhã bem cedinho lá estava o garoto na praia pegando tatuíras para colocar na isca, como ele havia visto seu pai fazer uma vez em uma viagem à praia. Tatuíra é tipo um camarãozinho com a casca bem dura e que fica na beira da praia, escondida sob a areia. Era fácil apanhar os bichinhos, quando a onda vinha e ia embora, ficava uma marquinha na areia do bichinho, era só cavar e pronto. Em alguns lugares as pessoas conhecem a tatuíra como tatuí.

          Djou pegou uma meia dúzia, ajeitou a linha com o anzol, colocou uma pedra na ponta para poder jogar bem longe a isca e começou a pescar. Depois de alguns minutos, o garoto sentiu um puxão na linha. Começou a puxar   e lá vinha um peixe fisgado. Ao recolhê-lo, o garoto viu tratar-se de um baiacu, que é aquele peixe que incha e vira uma bola quando é ameaçado. Lembrando das palavras de seu pai, que lhe disse que os baiacus são venenosos, Djou devolveu-o ao mar. Pena que ele tinha perdido uma isca. Mas não faz mal, logo a linha estava na água de novo e dessa vez o peixe que mordeu foi uma pescada amarela, mais ou menos grande. O garoto deu-se por satisfeito, devolveu o restante das tatuíras à areia e foi limpar o peixe para o almoço. Ele também sabia limpar peixes só de olhar seu pai. Ele sabia que tinha que tirar  todas as escamas, raspando-as com a faca. Feito isso, ele guardou o que sobrou do peixe para colocar na siripóia como isca para tentar pegar alguns siris à noite. A siripóia é um arco de ferro com uma rede, parece um pouco uma rede de apanhar borboletas. Coloca-se a isca, joga-se a siripóia n´água, espera-se um pouco, puxa e pronto. Lá vinham os siris agarrados na rede.

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         À noite, dito e feito, Djou usou a siripoia e  apanhou alguns siris para comer. Os siris, que eram muitos, ficavam na beira do riozinho próximo ao acampamento. Djou sabia disso porque um dia ele tomou uma ferroada de um deles enquanto tomava banho. Para amenizar  a falta de tempero, o garoto cozinhava os siris na água do mar que dava uma salgadinha nos bichinhos.

         No dia seguinte Djou acordou cedo com o barulho dos saguis, que,  cada vez mais, se aproximavam mais da choupana atrás de comida. Djou estava fazendo  amizade com um deles que ficava na porta olhando para o garoto. Quando Djou se aproximava, o saguizinho saía correndo. O garoto colocava uma fruta e o macaquinho vinha buscar. Ele estava quase comendo na mão do garoto. Djou já tinha arrumado até um nome para ele: Txiboom, porque um dia fugindo dele, o miquinho tropeçou, caiu numa poça de água e fez este barulho.           

 Na praia, o garoto ficava observando os golfinhos surfando as ondas. Djou ficava admirado e com vontade de entrar na água. Ele sabia nadar muito bem, pois o pai havia lhe dado algumas aulas. De repente, o garoto agarrou um pedaço de isopor que havia chegado com o baú, se atirou na água e começou a pegar uns “jacarés” nas espuminhas das ondas . Agora, quem olhava para ele eram os golfinhos, que nunca tinham visto um humano  tão de perto. Após um tempão na água se divertindo nas ondas, Djou ficou exausto e foi descansar.

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           Preás, tatus, pacas, tamanduás e até onças eram os animais que habitavam próximo ao acampamento de Djou. Tirando a onça, o garoto não tinha medo de nenhum deles. Para se defender da possível aparição de um felino desses, Djou mantinha sempre a fogueira acesa, mas os fósforos estavam acabando e isso preocupava o garoto. Mas , um dia, ao observar uma formiga mais de perto com a lupa que tinha chegado dentro do baú, Djou   torrou o inseto com um raio de sol. Foi sem querer, mas ele descobriu que a lupa servia para fazer fogo e  começou a usá-la para economizar  fósforos. Bastava colocar a lupa contra o sol, deixar o feixe de luz bater em uma palha seca e pronto, lá estava o fogo feito.

          O dia-a-dia de Djou era sempre assim. Acordava, ia apanhar algumas frutas para comer, apanhava água no rio em cumbucas de coco, acendia o fogo , ou simplesmente reavivava as brasas da noite anterior, ia pescar, almoçava e o resto da tarde ia pegar ondas com os golfinhos. Djou já surfava direitinho com os isopores. Ele descia a onda deitado e para ajudá-lo ele havia feito um tipo de pé-de-pato com palha de coco bem trançada. Era quase um bodyboard. Quando não tinha onda, ele ficava brincando com os macaquinhos. Txiboom era seu preferido, pois ele já havia se acostumado com o garoto e praticamente não saia da choupana de Djou. Tinham outros macaquinhos que vinham visitar também, mas Txiboom era o rei do pedaço.

          

Certo dia, o garoto avistou ao longe um barco, pegou os sinalizadores e os disparou, mas foi em vão, os barcos provavelmente não viram o sinal e os poucos sinalizadores foram desperdiçados.

            Djou achou uma tábua grande trazida pela maré e começou a modelar, com a ajuda do facão, uma prancha de surf de verdade, igual as que ele via na praia. Seria um trabalho demorado , mas o que o garoto mais tinha era tempo.

            À tardezinha, o garoto foi pescar nos corais próximos. O coral, quando tinha onda, formava ondas perfeitas e tubulares, que o garoto já surfava  com maestria, deitado é claro, mas assim mesmo ele pegava até uns tubos, isso em menos de 3 meses de treinamento, que era o tempo que ele estava vivendo sua aventura de náufrago.

            Mas naquele dia não tinha onda e, com muito cuidado, ele começou a explorar os corais. Aquele local tinha uma vida riquíssima. Ouriços, estrelas-do-mar, anêmonas, peixes-pedra muito venenosos e, entocadas em buracos, as perigosas moréias. Djou  pescou uns peixinhos e voltou para a choupana. Ahhh, a esta altura a choupana já tinha porta e janela que o garoto havia feito para se proteger de algum ocasional ataque da onça. Ele não havia visto ainda este animal, mas à noite ele já tinha ouvido seu rugido. Djou sabia que o dia  deste encontro não estava longe...

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Acompanhado de Txiboom, que agora só andava em seu ombro, Djou foi inspecionar as redondezas em busca de algumas frutas. Era época de  jambo e ele logo encontrou uma árvore carregada destes frutos. Ele encheu seu cesto de palha com os frutos e começou a voltar para o acampamento, quando, de repente, ouviu um barulho atrás de um mato próximo. O garoto se esgueirou por entre a folhagem e viu a tão temida onça agarrar uma preazinha e devorá-la ali mesmo. Djou  ficou assustadíssimo com a cena e correu para sua choupana. Lá ele começou a pensar em fazer algumas armadilhas para se defender da onça. Cavou um buraco na entrada de sua choupana, colocou galhos finos e cobriu com folhas para o caso da onça tentar pegá-lo desprevenido.

           Feito isso tudo e deixando a preocupação de lado, o surf apareceu como a melhor opção para aquela tarde, pois as ondas quebravam fortes sobre o afiado coral e lá estavam seus companheiros de esporte, os golfinhos, descendo as ondas, saltando sobre elas e fazendo uma algazarra para chamar Djou para a água. Nada melhor na vida que surfar em uma praia  deserta com seus amigos, mesmo que estes sejam golfinhos.

            A sua nova prancha, que ele havia moldado na madeira encalhada na areia, já estava pronta e ele foi testar naquela tarde. Nas primeiras ondas ele sentiu uma dificuldade de ficar em pé, mas em algumas horas ele já começava a cortar algumas ondas. A prancha tinha ficado muito boa, mas o problema é que ela começava a encharcar, ficar pesada e afundar. O que fazer ?

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No dia seguinte o garoto, já quase totalmente selvagem pela experiência que adquiriu nestes últimos meses, foi ao mato apanhar lenha para a fogueira e algumas frutas para comer. Em sua trilha habitual, Djou percebeu as pegadas da onça, bem frescas. Ela estivera ali durante a noite e estava se aproximando do acampamento. Txiboom, que estava no ombro do garoto, ao ver as pegadas tapou os olhos, como se dissesse “Xiií, não quero nem ver”. Mas o garoto seguiu firme em seu propósito de apanhar as coisas da floresta, afinal ele precisava se alimentar.

     Sem maiores problemas, o garoto fez o que tinha de fazer, coletou algumas frutas e retornou ao acampamento. Lá acendeu o fogo com ajuda de sua lupa e logo foi pescar algo para o almoço. Boas ondas quebravam na praia e os golfinhos logo que viram Djou, começaram a fazer barulho, como se o chamassem para se divertir. Mas a prancha dele não estava seca ainda e o garoto pôs-se a pescar. Quando de repente, como em um estalo, Djou exclamou “É isso!!”. Ele tinha achado a solução para sua prancha: o látex de mangaba. Após a pescaria, que rendeu-lhe um peixão, ele foi  fazer alguns talhos nas mangabeiras e deixar o látex escorrer para dentro de alguns cocos partidos. A prancha foi posta ao sol para secar mais rápido e no dia seguinte ele a emborracharia. Mas, enquanto isso, ele apanhou seu isopor e foi se divertir um pouco com os golfinhos, deixando o almoço para mais tarde.

 

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      À noite, fogueira acesa, a lua bem cheia deixava tudo mais iluminado, Djou levanta-se por um minuto para fazer xixi quando eis que ele vê a dita cuja , a onça, a uns dez passos só olhando para ele. Ela estava lá sentadinha, as orelhas em pé, esperando para ver o que o garoto iria fazer. Ela provavelmente não atacou Djou por causa do fogo. O garoto rapidamente apanhou um pau em chamas e jogou na bicha. Brasas acertaram a cabeça da onça, que deu um rosnado terrível e fugiu para o mato. Ufa, o garoto estava salvo, mas ele desconfiava que aquilo não tinha sido suficiente para espantá-la de vez. Djou teria de fazer algo mais contundente para a onça não mais voltar. Naquela noite ele fechou bem a porta e a janela de sua choupana para dormir tranquilo.

     No dia seguinte, o garoto foi emborrachar sua prancha com o látex. Ele espalhava uma camada fina sobre a prancha e colocava para secar ao sol. Aquilo ficava que nem uma borrachinha sobre a madeira. Fez isso dos dois lados e esperou até o outro dia para testar

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     Naquela noite o acampamento estava vazio. Dois belos peixes estavam sobre uma palha de coqueiro próxima a choupana. Eis que surge a onça, sentindo o aroma dos pescados. Ela olha em volta, não vê o fogo e nem ninguém. Confiante ela avança sobre os peixes e, antes de dar a primeira mordida, recebe uma saraivada de cocos na cabeça. Era uma cilada para ela! Djou, com o auxilio de Txiboom e seus amigos, estavam em cima de um coqueiro só esperando a chegada da fera. Depois da primeira saraivada de cocos , veio a segunda e a terceira. A onça ficou atordoada e provavelmente cheia de galos na cabeça, mas mesmo assim ela conseguiu escapar em direção ao mato. E não sem antes receber mais umas belas cocadas no bumbum. Pronto, estava feito, daquela vez ela foi afugentada para, com certeza, não mais voltar.

     Djou e seus amigos voltaram para o chão para comemorar o feito. De agora em diante eles se sentiam mais seguros. Naquela noite foi feita a festa da banana assada com os peixes que a onça nem chegou a experimentar.

 

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      O inverno se aproximava, e com ele chuvas, um friozinho de leve e ondas, muitas ondas. Com a prancha toda emborrachada, Djou passava o dia na água. Ondas para a direita, ondas para a esquerda, tubos e ele já começava a ensaiar algumas manobras. Só que a prancha era muito pesada para que as manobras fossem executadas com perfeição, mas ele estava no caminho certo. Ele começava a surfar lado a lado com os golfinhos que o acompanhavam por toda a extensão da onda.

      Quem ia junto com ele, de vez em quando, era Txiboom, que ficava no bico da prancha quando ele estava descendo uma onda. Talvez ele era o primeiro macaco surfista do planeta. E o macaquinho adorava. Ele não nadava muito bem , mas também não afundava. E quando ele estava em algum apuro na água, os golfinhos vinham em seu auxílio rapidamente. Pegavam-no com a cabeça e o levavam até a prancha do garoto . Era uma cena incrivel. Txiboom quando via o garoto pegar sua prancha ficava pulando e fazendo um monte de macaquices, só  de alegria e na esperança de ser convidado.

      Djou tinha adaptado uma quilha, que ele também tinha esculpido e encaixado no fundo da prancha, pois esta estava derrapando  muito, mas agora não mais com a ajuda do aparato. Ele estava cada vez melhor no surf e isso o deixava feliz. Era comum o garoto ficar surfando até a noite quando era lua cheia. Ele via o plancton brilhar ao seu redor com a luz do luar.

      Os finais de tarde eram incríveis naquele lugar. O sol, ao se pôr, deixava um rastro alaranjado no céu durante muito tempo. Ao anoitecer ele via os pássaros  em revoada irem para seus ninhos e começava a ouvir o barulho dos animais noturnos despertarem para a vida. Era tudo muito mágico naquele lugar. A onça não mais tinha aparecido e, mesmo se aparecesse, os macacos dariam o alerta gritando e  avisando o garoto que já tinha preparado a armadilha na porta da choupana.

       Mas para Djou estava ficando chato. Ele queria jogar bola,  ver seus amigos na escola e , principalmente, reencontrar seus pais, de quem ele sentia muita falta.

 

 

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       Os dias passavam devagar naquele inverno. A chuva vinha ocasionalmente, mas a choupana de Djou, com bastante palha de coqueiro era resistente à água.

        Ele surfava todos os dias que tinha onda. Sua prancha estava  aguentando bem o tranco. O látex de mangaba era eficiente e resistente, e até era antiderrapante. Os golfinhos eram todos seus amigos e até o ajudavam a pescar, trazendo os peixes para perto da isca do garoto. Txiboom  e seus amigos apanhavam as frutas mais altas das árvores para ele. Preás, tatus, cotias, tamanduás, saruês, cervos, menos a onça, todos se aproximavam do acampamento e ali se sentiam à vontade para observar aquela , para eles, figura estranha de um humano que não os perseguia. Mas eles não poderiam confiar muito em homens, pois estes às vezes são traiçoeiros, matando os animais só por matar, destruindo as florestas para ganhar dinheiro com a madeira e para vender os terrenos à beira-mar.

        Djou passava os dias inventando coisas. Tinha feito um boliche com gomos de bambu e a bola era um coco adaptado. Txiboom ficava por perto e arrumava os gomos que Djou tinha derrubado. Com o bambu também ele tinha feito um arco e algumas flechas. No começo as flechas saíam tortas e sem direção, mas o garoto tinha lembrado dos filmes de índio que as flechas tinham  penas nas pontas. Ele logo arrumou algumas plumas caídas na floresta e ajeitou suas flechas. Com o tempo ele começava a ficar craque no arco e flecha também. Seu alvo era o  isopor que ele pegava onda, aposentado desde que ele tinha feito a prancha.

 

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        Não existe mais neste planeta natureza intocada e nem praias virgens. O homem praticamente desbravou tudo e já esteve em quase todos os lugares. Djou tinha sido o primeiro naquela praia. Já faziam 5 meses que ele ali aportara. Neste meio tempo o garoto da cidade descobriu o seu lado selvagem à força. Foram experiências que mostraram que somos somente seres que um dia pertencemos a um ecossistema. E já fomos caçadores e caça também. Temos que respeitar a natureza pois somos, ainda, parte dela.

        Djou acordou naquela manhã e começou a fazer suas coisas rotineiras, apanhar lenha, procurar frutas para o café, arrumar iscas para pescar e, o mais importante, verificar as condições do mar. Ele já estava habituado ao surf, era seu maior prazer do dia.

        Quando ele foi checar as ondas, qual não foi sua surpresa. Tinha um barco parado um pouco atrás da arrebentação e 4 pessoas surfavam próximas ao coral. O garoto ficou sem reação. Ele procurou os golfinhos e eles estavam lá, afastados dos surfistas e esperando o garoto, já como imaginando o que aconteceria.

         Com o macaquinho Txiboom pendurado em seu ombro, Djou aproximou-se das pessoas eufórico. Era sua chance de voltar pra casa e reencontrar seus pais.  Os surfistas tiveram uma surpresa ao verem uma criança tostada de sol e com um macaco no ombro naquela praia deserta. Eles pegaram mais algumas ondas e saíram da água para encontrarem-se com Djou.

          Na praia, eles se cumprimentaram e os rapazes perguntaram pelos pais do garoto. Djou contou sua história e o pessoal ficou impressionado com ela. Eles não acreditaram que o garoto estava ali há 5 meses por conta própria. Perguntaram-lhe o que ele fazia para passar o tempo e Djou respondeu que surfava. Levou-os ao acampamento e mostrou-lhes sua prancha. Todos ficaram impressionados com a prancha e com tudo mais. Quiseram ver o garoto surfando naquela tábua esculpida. O garoto, sem hesitar, atirou-se à água e pegou altas ondas  deixando todos boquiabertos

          Depois do surf, convidaram o garoto para comer alguma coisa no barco e ele foi, claro que levando seu fiel escudeiro Txiboom. O macaquinho deu vexame, mexeu em tudo, comeu tudo o que podia e ainda jogava algumas coisas no mar, entre elas as cuecas do capitão do barco, que estavam secando ao sol.

          Fazia tempo que o garoto não comia algumas coisas que ele não gostava muito, mas que estava sentindo falta, tipo  saladas e verduras,  que toda vez que sua mãe preparava ele torcia o nariz. Agora ele comia tudo com gosto e pedia mais.

          Depois do almoço, foram todos descansar e em seguida caíram na água para surfarem mais ondas. Deram uma prancha das deles para o garoto para ver seu desempenho. Djou estranhou no começo, mas começou  a surfar com desenvoltura.  Os golfinhos aproximaram-se e começaram também a pegar suas ondas juntos a todos. Foi um dia inesquecível para todo mundo.

           Os surfistas decidiram ficar por ali até as ondas terminarem, ou seja, até a ondulação perder força. Acamparam com o garoto por alguns dias e ouviram suas histórias de pescarias, do que aconteceu com a onça e tudo o mais. Ficaram impressionados com tudo. Durante aqueles dias, Djou pescou e apanhou siris para todos.

           Quando a ondulação acabou, os surfistas resolveram partir. Iriam levar o garoto de volta para a chamada civilização. Djou tinha aprendido que civilizados eram os animais, que vivem em harmonia com a natureza e com os outros animais, mas o garoto sentia muitas saudades de seus pais. Despediu-se de Txiboom e dos outros macaquinhos. Foi remando até o barco ao lado dos golfinhos e deles também se despediu. Não era definitivo, ele sabia, era só um até breve, pois Djou voltaria e não demoraria muito.

                      Quando o barco partiu, o garoto viu na praia toda a macacada observando o garoto que se ia. Viu Txiboom acenando, como se fosse gente. Foi uma despedida emocionada e dolorosa. Djou sentiria muitas saudades de Txiboom e de seus outros amigos, mas a saudade de seus pais falou mais alto e o garoto, com dor no coração, partiu Viu a bicharada olhando pra ele como se já sentissem saudades. Os golfinhos  escoltaram   a embarcação que partia  até que a praia não fosse mais vista.

            Djou logo chegou em casa. Seus pais nunca tinham perdido a esperança de reencontrá-lo e, quando o viram, ficaram muito emocionados. O garoto, de volta à civilização, narrou todas as suas aventuras e seus pais prometeram que nunca mais se separariam. Eles o estavam procurando há meses, mas sem sucesso. Prometeram que em breve voltariam ao lugar que Djou ficou acampado. Essa última promessa, Djou aguardaria ansiosamente que acontecesse logo.  Já estava com muitas saudades de sua vida selvagem. E de suas aventuras também.

 

FIM

 

Esta obra já se encontra
devidamente registrada sob o número: 330.400, em 27/08/2004 no Livro 606 e
folha 60 na Biblioteca Nacional

Escritorio de Direitos Autorais

 

 

 

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